Carta publicada no livro Chá das 3 – investigação, criação e memórias.
Eu inicio esta carta, citando um trecho da obra Soft Age – analyse de notre époque, da cantora japonesa Megumi Satsu:
Sobre a citação, eu me permito repetir aquilo que tantos têm feito todos os dias há tantos séculos. Evito assim a tentação de me sentir original.
Alguns artifícios podem ser úteis nessa hora. Por exemplo, abrir um dicionário ao acaso e encontrar o verbo improvisar: v. t. inventar de repente; falar, escrever, compor sem preparação; arranjar à pressa; citar falsamente; falsear; fingir. Ou, então, o substantivo verbo: s. m. palavra que exprime ação, estado, qualidade ou existência de uma pessoa ou coisa.
Em um impulso, escolher três nomes: Nina, Beatriz e Alice. Alguns outros podem ser necessários em caso de emergência: Pedro, José (ou será João?), Miguel, minha mãe.
Um assunto qualquer serve de liga: amizade, traição, sexualidade, decadência, sucesso, arte, etc.
Isto aqui não é uma receita. Eu sei, caro colaborador, que você sabe bem disso. Não existe forma capaz de conter tantos ingredientes.
É preciso mentir: uma, duas, três, várias vezes. Sem a mentira, a humanidade não teria saído das cavernas.
De vez em quando, algum idiota vira pra você e diz que já tem palavras demais. Você sorri amarelo e faz o quê? Coloca na boca do personagem um suspiro?
Amanhã, ao botar debaixo do braço o teu peixe e levar ao mercado para vender, muitos vão te perguntar se ele é fresco. Não te desespera nessa hora! É preciso sustentar a vida e, com um pouco de paciência, suportar as suas caras enjoadas.
Ah! Eu estava quase esquecendo... É preciso tempo. Muito tempo. Tempo para fermentar, envelhecer, pegar o sabor, voltar atrás, corrigir, apreciar, desistir.
Tempo, verbo e improvisação – é um bom título para esta carta.
PS: Megumi Satsu se instalou na França a partir dos anos 70 e dedicou o livro citado ao fundador das Éditions Robert Laffont.
Manoel Prazeres, Rio de Janeiro, 26 de julho de 2015