Carta publicada no livro Chá das 3 – investigação, criação e memórias.
as palavras são perseguidas por seus significados tentam escapar mas não conseguem por exemplo capitalismo tem um bando de fanáticos ao seu encalço comunismo não tem uma vida mais fácil inveja egoísmo solidariedade e fraternidade são diariamente linchadas milagrosamente sobrevivem os significados intimidam aterrorizam algumas palavras são acusadas de promiscuidade dizem que passam de mão em mão que estão na língua de todos honestidade verdade outras são tímidas vivem escondidas longe dos olhares mais intrometidos platitude sobejidão preconceito sumiu luz e gás se expandem falam por si só imagem e mil palavras nem se falam em creta viúva é cobiçada apedrejada e degolada trabalho escraviza dinheiro corrompe açúcar adula terço prega terçolho ferrolha madeira isola nós embaraçam humor segrega todo generaliza pudor envergonha habitat duvida dogma indispõe atrás volta passado engana roupa suja hábito frequenta junta puxa almoço boia tolo espera insigne ilustra caro autor eu me pergunto por que estou falando assim das palavras para você porque elas são aos meus olhos demasiadamente carregadas mas aos seus olhos de vidro elas são tão leves são pequenos blocos de ainda menores caracteres que quando se juntam formam parágrafos e se sucedem em páginas com as suas mãos você dispõe desses caracteres palavras parágrafos e páginas ocupando espaços livres de seus significados a arte brota em desenhos manchas que se espalham se diluem e se condensam.
Entrego agora esta carta inacabada a você junto com duas tarefas: retirar a pontuação e redistribuir as quebras dos parágrafos. Acredito que será divertido ler, se perder, reler, improvisar e redescobrir significados.
Manoel Prazeres, Rio de Janeiro, 19 de outubro de 2015