Carta publicada no livro Chá das 3 – investigação, criação e memórias.
Dizem que Luis Buñuel, quando, praticamente surdo, parou de filmar, passou a se perturbar com a ideia de não saber o que se passaria no mundo depois da sua morte. Confessava o desejo de sair do túmulo de tempos em tempos, apenas para comprar os jornais. A morte simplesmente perturba. A mim, porém, também perturba saber que são infinitas as possibilidades que se anunciam a cada instante de tempo e que não nascem. O tempo também perturba.
Dizem também que os surrealistas históricos usavam o escândalo como arma principal na luta contra uma sociedade que detestavam. O escândalo entendido como um instrumento revelador dos segredos do sistema que era preciso derrubar. Certamente muitos dos seus burgueses escandalizados benziam-se agradecendo ao seu deus o fato de lhes ter sido dadivada, perante tantas desgraças possíveis anunciadas por aqueles loucos, apenas a bem-aventurada vida capitalista e cristã.
Eu insisto em querer aprender algo com essas duas histórias.
Por exemplo: o encontro entre uma fotógrafa, uma escritora e uma coreógrafa. Quando essas três personagens se encontram, ao diretor cabe buscar nisso um significado. Certo? Poderá detalhadamente explorar cada característica psicológica possível em cada uma delas e, finalmente, apaziguar os espíritos mais inseguros, oferecendo um evento apropriado para a digestão do jantar. Mas poderá também oferecer outros significados ao espectador. Quantos? Quais? Escandalosos ou apaziguadores? Haverá uma dimensão habitada apenas por todas essas possibilidades? É lá que continuam as vidas das personagens quando terminam as obras que as encerram? Naquela igreja, onde permanecerão para sempre encerrados os aristocratas de O anjo exterminador, afinal conseguirão entrar as ovelhas? Três andares, três dias por semana, três apartamentos por andar, três atrizes, três personagens.
Atribui-se a Oscar Wilde a frase "A finalidade do mentiroso é simplesmente fascinar, deliciar, proporcionar regozijo. Ele é o fundamento da sociedade civilizada."
Caro colaborador, quando, depois da minha morte, se lembrarem de mim, espero apenas que pensem: "Ele mentia."
Manoel Prazeres, Rio de Janeiro, 21 de julho de 2015