Carta publicada no livro Chá das 3 – investigação, criação e memórias.
Venha até a sala de ensaio. Não tem intervalo. Tudo acontece lentamente. Poderá se estender por muito tempo.
Por aqui, eu vou treinando o olhar. Desde o primeiro dia. Você ainda lembra?
A improvisação traz o risco da liberdade. A liberdade que possibilita evitar as dúvidas, os limites, o inesperado e o insolúvel. Mas arriscar é preciso. Vai e vem. Navegue até o oriente. E de lá até o oriente.
Quando estiver sem vontade ou cansado, lembra que é por isso que estamos juntos: para superar o cansaço e viver o que vem depois.
Quem cuida da vida estrangeira, da sua não pode cuidar? Quem disse? Disse sim?
Um sorriso quase irônico, petulante, pedante ou inseguro? Qual a tradução desse sorriso?
O cuidado para não se abandonar no mais fácil. O seu mais fácil. Os gestos contínuos e suaves. Ir ao encontro dos limites. As tensões. De um extremo ao outro de um movimento, qual a carga expressiva possível de se pesquisar?
A emoção é uma consequência, não serve como ponto de partida. Através das ações se manifestam as emoções: falar, ouvir, vomitar, gargalhar, abraçar, dançar, fotografar, selecionar e enumerar infinitamente verbos.
O que você carrega na amizade não são as causas, são as consequências.
Você domina a técnica ou é dominado por ela? É possível esquecer o cotovelo, o calcanhar e o pulmão esquerdo?
E, afinal, nunca se esqueça de que a oração do ancião por nós, caro colaborador, continua fluindo sem cessar, assim como o rio luminoso e claro corre até o mar.
Manoel Prazeres, Rio de Janeiro, 2 de agosto de 2015