Apresentação

Apresentação
Chá das 3: investigação, criação e memórias resulta de um longo processo de indagações sobre a atuação que tem seu início em março de 2010. Compreendendo que a formação de um ator não se esgota no tempo em que ele frequenta uma escola para atores e, simultaneamente, percebendo que na sequência de trabalhos que realiza muitas vezes o ator é solicitado a repetir um pouco mais do mesmo, iniciamos, eu, Mônnica Emilio e Ana Achcar, uma rotina de encontros para investigar procedimentos de atuação. Após dois anos de trabalho ingressaram no processo outros artistas: Manoel Prazeres – diretor -, Filomena Chiaradia – pesquisadora -, Vitor Lemos – provocador – e dois dramaturgos, Camila Moreira e João Avelino.
A premissa foi problematizar e investigar nossos caminhos na atuação em um ambiente protegido das tensões de estreia e demandas de produção. Um lugar no qual as pressões seriam relativas à criação e em que estivéssemos livres para jogar e arriscar. Por meio de improvisações, jogos e reflexões seguimos trabalhando durante cinco anos, dando origem ao que segue neste livro: os textos dramatúrgicos de Camila Moreira e João Avelino, reflexões sobre a criação em forma de cartas aos autores, de Manoel Prazeres, ensaios de Filomena Chiaradia e Vitor Lemos, e uma escrita criativa em que eu, Mônnica e Ana buscamos elaborar o processo vivido e simultaneamente refletir sobre a atuação.
Dessa forma, pensamos poder contribuir de maneira teórica e prática para o investimento em processos colaborativos que têm marcado o teatro carioca nos últimos anos.
Duas perguntas nos acompanharam e continuarão acompanhando:
1) As possibilidades de investigação sobre procedimentos de atuação estão apartadas da velocidade e imposições de produção para um ator inserido no mercado de trabalho? De quantos e quais mercados de trabalho pode falar um ator, no Rio de Janeiro, hoje? A pesquisa, numa primeira impressão, está associada ao espaço da academia e dos pesquisadores. Em nossa cidade, entretanto, é crescente o número de coletivos de teatro e processos colaborativos que criam e levam ao público espetáculos oriundos dessa linhagem de trabalho. Interessadas nos caminhos de formação continuada, nos perguntamos: quais os caminhos possíveis para o ator interessado em inventar e investigar hoje no Rio de Janeiro?
2) Na ficção construída, as personagens Nina, Beatriz e Alice, amigas há mais de 20 anos, lutam por descobrir as possibilidades de continuidade/transformação de uma amizade que faz suas vidas terem sentido para além das demandas da realização profissional, da família e das relações amorosas. Qual o lugar da amizade nas nossas vidas, hoje? De quanto tempo dispomos para um telefonema desinteressado, um café para pensar na vida acompanhado por um outro? Será que ainda sabemos abrir os ouvidos e escutar um amigo desabafar sobre seus assombramentos perante a vida durante 20 minutos ou essa possibilidade ficou relegada aos anos da nossa juventude? As relações de coleguismo no trabalho ocuparam esse lugar, e temos “amigos de infância”, cuja amizade dura o tempo de um projeto, o tempo de uma viagem a trabalho, o tempo em que compartilhamos a intimidade de um camarim. Depois disso a amizade parece se resumir a mensagens “apaixonadas” nas páginas das redes sociais – “sinto sua falta”, “muitas saudades”, “me liga”, “penso tanto em você”. Muitas falas, poucas ações, pouco compartilhamento do dia a dia e muito pouco tempo para fazer “nada”.
Nina, Beatriz e Alice, três mulheres, entre 40 e 50 anos, amigas há mais de 20 anos, viveram uma experiência traumática na relação e lutam por descobrir as possibilidades de continuidade dessa amizade. Helena, Mônnica e Ana, três atrizes há bem mais de 15 anos que lutam por manter viva a investigação dos processos de criação e produção num tempo marcado por projetos de curto prazo e encontros profissionais provisórios.
Não temos tempo, e a amizade parece sempre poder esperar. Será? A impermanência, inerente à vida, não precisa estar acompanhada de amizades provisórias, de projetos rápidos. E, possivelmente, para suportar a dor da impermanência precisamos lutar por amizades mais consistentes. Nunca saberemos se vamos conseguir, até porque talvez não seja isso que tenha maior relevância e sim o que a luta faz conosco enquanto lutamos.
Helena Varvaki
Rio de Janeiro, setembro de 2015